Bolívia, De Oruro a Uyuni - relatos dos dias mais fantásticos da viagem - Parte I

Todos temos, dentro de nós, um pouco de alma aventureira, um Indiana Jones ávido de aventuras nos armários da nossa imaginação. Todos queremos desvendar terras inexploradas, selvas com ruínas milenares, conhecer gentes exóticas. Queremos sair das rotinas que nos aprisionam e viver realidades diferentes das que vivemos no nosso dia a dia. Mas neste mundo globalizado já não existem muitos lugares onde o homem não tenha pisado, ou ruínas que não tenham sido descobertas...



Também eu buscava aventura, desvendar terras virgens e gente exótica quando investi nesta viagem, e tenho já matéria mais do que suficiente para escrever um livro, só que aventura no e sentimento de isolamento no verdadeiro sentido das palavras era algo que não havia experienciado ate chegar ao Altiplano Boliviano. Aí me aguardavam mais surpresas, mais desafios e mais aventuras do que algum outro lugar onde tenha estado na minha vida.



Sobre o Altiplano



Para entender a Bolívia, tem que se entender o seu Altiplano. Um local à primeira vista árido e desértico mas onde se concentra 70 por cento da população boliviana (a sua maioria entre Uyuni e o Lago Titicaca). Contudo não deixa de ser um sítio desolado e de alguma forma inóspito. Retirando as palavras do artigo que saiu na National Geographic do mês de Julho de 2008: "o altiplano ...é a terra dos superlativos: alberga o maior lago de altitude navegável do mundo, o Titicaca, o maior deserto de sal, a salina de Uyuni, é a segunda meseta mais grande do mundo, depois da tibetana, é uma paisagem de gelo, fogo, vento e sal que se estende desde a região septentorial da Argentina até às planuras do Peru. ...Quiçá nenhuma outra paisagem sobre a terra nos recorde de maneira tão viva que houve tempos no planeta em que não haviam seres humanos." É uma zona com grande actividade geológica e por isso as terras são ricas em minerais, e alguns vulcões estão ainda activos ou semi-activos. É também povoado por flamingos que utilizam os lagos sulfurosos e as suas margens para nidificar, vicuñas, lamas, alpacas, suris (avestruzes), raposas e outros animais. O altiplano é um universo único que reserva eventos únicos aos poucos que nele se aventuram.



De Oruro a Sabaya - Que comece o espetáculo...

Oruro é a última cidade antes de chegarrmos a Uyuni, aí comprámos mantimentos, verificámos o equipamento e fizémos os últimos preparativos. Ao falar com os locais sobre as nossas intenções de atravessar os dois salares (o de Coipasa e Uyuni), dizem que somos loucos, que vamos morrer congelados, que os nossos pneus vão corroer com o sal, que vamos ser engolidos pelos olhos de água que aí se formam, que nos vamos perder....as pessoas não sabem, mas esses comentários dao-nos ainda mais vontade de desvendar em bicicleta os salares tão temidos.



Um olho água no salar de Coipasa




Lago Popóo


Tomámos o pequeno almoço no mercado - duas sandes de carne de porco assada, cortada ali mesmo à nossa frente, e meio litro de sumo de frutas cada um, somos ciclistas e temos aventuras para viver, necessitamos energia. O Lago Popóo, à saída de Oruro dá-nos uma amostra do que está para vir: flamingos e águas que espelham os montes e vulcões que as rodeiam. A meio da tarde chegámos a Toledo, uma pequena aldeia. Ali acabava o alcatrão.



O fim do alcatrao...


Prosseguimos e a estrada de terra batida, apesar de larga apresentava lavadouros (a passagem de veículos e o vento em estradas de terra batida, cria ondulações que se assemelham a tabuas de lavar roupa), algo que nem nós, nem as bicicletas apreciamos, que faz com que as médias a que pedalamos reduzam consideravelmente e que o meu suporte traseiro se parta eventualmente. No final, a estrada torna-se tão insuportável, que decidimos improvisar caminho pela pampa onde ao entardecer acampamos.





Acampamento na pampa


Pausa para almoço


Estávamos já a cozinhar o jantar quando vindos do nada aparecem um casal de campesinos, com as suas lanternas, estavam assustados e queriam saber o que fazía-mos ali, depois de perceberem que éramos apenas dois ciclistas em viagem, voltaram para as suas casas algures na pampa. Nessa noite as temperaturas desceram aos 12 graus negativos. Despertamos para mais um dia de ciclo turismo, a estrada continuava com o efeito de lavadouro, por isso decidimos seguir os trilhos na pampa extensa e plana.


A vasta pampa


O almoço de sandes e enlatados e engrandecido pelo sítio magnífico onde decidimos almoçar: um pequeno salar o qual tem o centro ainda com água. Na distância os pontos rosas inconfundíveis - os flamingos.



Da pampa lisa começam a irromper os primeiros montes, acampamos no cimo de um deles e passamos a noite mais fria da viagem, menos 17 graus.



No dia seguinte o sobe e desce e o mau estado da estrada continuam. Chegamos a Ancaravi e olhamos surpreendidos a inesperada estrada de alcatrão que não vinha assinalada nos nossos mapas e que nos levou em bom piso até Huachacallas. Infelizmente o vento de frente fez a sua aparição e as bikes rodavam a ritmo lento, foi-nos difícil avançar porque o vento parecia uma parede invisível, os nossos conta quilómetros assinalam uma média de 6 a 7 quilómetros por hora, apesar da estrada ser quase plana e alcatroada.

De novo, estrada alcatroada


Nuno comprando o almoço a uma vendedora ambulante em Opequeri




Igreja em Opequeri



Mais uma noite fria e estrelada estende o seu manto sobre a nossa tenda e burras. Chegamos no dia seguinte a Huachacallas, o vento parece ter abrandado e há uma loja com vegetais e alguma comida, mas o nosso MSR (fogão a gasolina) está vazio e as bombas de gasolina da aldeia também. A Bolívia atravessa uma crise política, económica e social, e apesar do governo não querer admitir, a falta de abastecimento de combustíveis está já a afectar grande parte do país.


Chipaya ao pôr do sol e as suas misteriosas construçoes


Seguimos em direcção a Chipaya, aldeia de mitos e lendas, onde vivem os Chipayas - descendentes da cultura Tihawuanaco, uma das primeiras e mais avançadas culturas da América que posteriormente deu origem, entre outras, à cultura dos Urus. Depois de sairmos de Huachacallas somos obrigados a cozinhar com lenha, porque não encontramos combustível em lado nenhum, os tachos que o Nuno mantinha, com tanto orgulho, imaculados, tornam-se negros do fogo, notei alguma comoção sua expressão quando viu os tachos carbonizados. Cozinhei um bom jantar, e passámos uma noite à fogueira a ver as estrelas e a noite límpida do altiplano.

No caminho para Chipaya encontramos umas construções peculiares, e suponho que o foi o meu espírito de "Indiana Jones" que me fez parar a burra e averiguar que construções seriam aquelas. Para minha surpresa, dentro desses edifícios estavam caveiras e ossos, eram edificações funerárias dos antigos Chipayas.


A caminho de Sabaya
construçoes funerárias dos Chipayas


Nesse dia também, tivemos que atravessar aquele que seria um dos muitos rios gelados que se interpunham no nosso caminho. Recordo com doçura esse evento (apesar dos meus pés terem quase atingido o ponto de congelação), ajudei uns pastores a atravessar um rebanho enorme de ovelhas que não queriam, com muita razão, atravessar as águas gélidas daquele rio, pus debaixo dos braços alguns dos cordeiritos pequeninos, que estavam assustados e tremiam de frio e depois de muitas tentativas e tácticas falhadas, o grande rebanho teimoso e tresmalhado lá a atravessou o rio. Seguimos caminho.

Atravessando o rio gelado e o rebanho


Em Chipaya, alguns dos locais ainda preservam os seus trajes - as mulheres têm os seus cabelos com várias tranças e os homens vestem ponchos bastante distintso. Ficámos alojados no salão de reuniões da aldeia, ao lado da casa o Alcaide (Presidente da Freguesia). A cultura dos Chipaya é uma das mais interessantes da Bolívia, têm uma linguagem bastante distinta do Aymara ou do Quechua (as duas línguas indígenas mais faladas no país) e pensa-se que sejam descendentes dos Urus, o povo das ilhas flutuantes do Lago Titicaca.



A aldeia de Sta. Ana de Chipaya


Na manha seguinte, vamos em busca de comida e gasolina pela pequena aldeia mas sem sorte, conseguimos pouco mais do que uma lata de peixe enlatado, uns ovos, umas bolachas e nada de gasolina, "talvez em Sabaya", somos informados. Começamos a ter noção da realidade daquelas gentes e da nossa: as pequenas mercearias têm cada vez menos mantimentos, e verduras ou frutas são inexistentes. Olhamos para os nossos alforjes e as prateleiras das lojas com preocupação, será que teremos comida suficiente para as nossas necessidades de ciclistas? Parece-nos que não.


Crianças observando o interior da escola em Chipaya



De Chipaya a Llica - Por dunas de areia e a travessia do primeiro salar

Perguntamos aos locais se existe uma estrada directa entre Chipaya e Sabaya sem termos que voltar para trás e atravessar o rio gelado do dia anterior. As respostas são unânimes: existe um carreiro pela pampa que é mais curto apesar de ter mais areia. Parece-nos bem, areia è algo que sabíamos que de uma forma ou de outra nos apareceria pelo caminho. Dizem-nos também que sao cerca de 30 a 40 quilómetros de distância, pelo que estimamos que um dia chegará para chegarmos a Sabaya. Um senhor idoso apontou-nos para um monte indicando-nos que Sabaya estava no seu sopé, e indicou-nos também o local menos profundo para atravessar o Rio Lauca que desagua no Salar de Coipasa. Seguimos atravessando mais um rio gelado, num dia também cinzento e ventoso. Nao sabíamos que ao atravessar aquele rio o que realmente nos esperava.

A saida de Chipaya


O solo salino entre Chipaya e Sabaya


Ao inicio haviam bastantes trilhos, dentro dos quais um se demarcava claramente, mas passados uns 5 quilómetros os trilhos multiplicaram-se sem grande ordem ou sentido, olhávamos o cerro distante como ponto de referência para escolhermos o nosso caminho. A nosso redor, centenas de construções redondas feitas com blocos de lama e sal extraídos do solo desafiando o vento, a chuva, o sol e o tempo, eram as construções originais dos Chipayas e expediam-se por quilómetros, para lá do que a vista alcançava, já não são utilizadas, aquela terra salina e desértica é agora um mero cenário das construções fantasma e não se avista uma única pessoa, o silêncio é cortante e o sentimento de isolamento, o maior que alguma vez senti.



As construçoes fantasma dos Chipayas


De múltiplos trilhos a paisagem transforma-se em zonas alagadas por água e sal, não podemos pedalar as bicicletas, há lodo e lama por todo o lado, somos obrigados a retirar as malas das bicicletas e atravessar uma por uma tentando não ficar atolados. Do nada apareceu um leitão a roncar, começou a seguir-nos, devia sentir-se sozinho porque tentava a todo o custo acompanhar o nosso ritmo, depois distraiu-se com algo e começou a escavar o solo.



O leitao da pampa




Atravessando as malas por rios de lama e sal


Avançamos, devia pertencer a alguém, e realmente um leitão como animal de estimação não estava nos planos (se bem que com a fome que viémos a passar nos dias seguintes parece-me que o Nuno se ia sentir bastante tentado a pô-lo no espeto).O vento levantou-se com uma pertinência assustadora e depois de 8 quilómetros a empurrar a bicicleta na lama, a atravessar pântanos, decidimos buscar abrigo numa das construções circulares dos Chipayas. Aí passámos a noite.

No dia seguinte olhámos Chipaya à distância, e decidimos avançar porque não queríamos voltar a atravessar aqueles rios gelados e os pântanos lamacentos do dia anterior. Seguramente que o caminho melhoraria, ou assim o esperávamos. O solo trilhado pelas bicicletas começou a mudar e a dar lugar a um solo arenoso, passámos os próximos 20 quilómetros a empurrar as bikes, o que tendo em conta o peso dos seus alforjes foi um exercício extremamente lento e doloroso.


Nuno puxando a bicicleta


Não tínhamos a certeza de estar no caminho certo, e a montanha à nossa distância era o nosso único ponto de referência. Almoçámos a lata de peixe enlatado, só que para meu choque aquilo que vejo dentro dela é uma mistela castanha que mais parece comida de má qualidade para gatos. Como duas bolachas com aquela pasta castanha, mas é-me impossível comer mais. Bebemos um café e arrumamos as coisas para seguir viagem. Viro-me de costas e - Baaanggg!!! Um som seco na areia. O Nuno deixou cair a bicicleta mais uma vez - penso. Viro-me para trás. A bicicleta estava em pé, quem estava estatelado e inerte no chão era o Nuno. Pensei, "que sítio fantástico para desmaiar aqui na maior das desolações, pelo menos era areia e não chão duro!". Corro para ele. Esboço o ar de menos preocupada que consigo, quando finalmente desperta nos meus braços. - "Que passou?", pergunta-me. -"Deves ter tido uma quebra de tensão, desmaias-te". Enquanto o Nuno vocalizava as razoes pelas quais o seu desmaio se possa ter sucedido, na minha cabeça, os planos do que faria se o seu estado piorasse, tomavam forma: montaria a tenda, onde o deixaria, aqueceria as botijas de água quente, faria comida, e seguiria a pé em busca, naquele deserto desolado onde estávamos encalhados, por ajuda.



Areia e mais areia


O Nuno decidiu continuar depois de recuperar do susto. A areia intensificava-se e fazía-mos turnos para trilhar o caminho para que o que fosse atrás tivesse mais facilidade em puxar a bicicleta. O vento era fortíssimo, e isso não só nos dificultava a já difícil tarefa de empurrar a burras, mas também, nos feria a cara e não nos permitia respirar adequadamente. Uma verdadeira tortura.


...e mais areia!


Estava preocupada com o Nuno, sentia que ele estava débil, mas tínhamos que avançar, não tínhamos escolha. Para desânimo uma duna gigantesca interpôs-se no nosso caminho. Empurramos uma bicicleta de cada vez e depois do obstáculo ultrapassado continuamos a nossa saga através das areias do altiplano. O vento continuava forte, e a noite estava a cair, estáva-mos determinados a chegar a Sabaya naquele dia, mas o que nos rodeava fez-nos cair na realidade - ao entardecer não uma, mas um infinito de dunas estendia-se à nossa frente, era loucura continuar.

Dunas na nossa travessia


Do topo de uma das dunas podíamos ver ao longe a torre da igreja da aldeia de Sabaya, mas teríamos que deixar a travessia daquele mar de areia para o dia seguinte, o vento e o frio fustigavam os nossos corpos cansados. Olhámos aos nossos mantimentos, não nos sobrava muito e a água era pouco mais do que suficiente para cozinharmos algo para o jantar e o pequeno almoço. Que dia pensámos, e o dia seguinte não seria melhor, com a quantidade de dunas que teríamos que atravessar. Era óbvio que o conceito de caminho para os locais era bem distinto do nosso.



No dia seguinte ainda eram visíveis os trilhos deixados por dois locais que arrastaram também as suas bicicletas pela noite até Sabaya e com os quais me deparei, para grande susto, quando saía da tenda para ir à "casa de banho". Seguimos os trilhos, que nos levaram até Sabaya em menos de três horas, evitando as dunas maiores.


Acampamento e os trilhos das bicicletas da noite anterior


Decidimos ficar esse dia a descançar e a usufruir de uma cama debaixo de um tecto. Fomos às compras mas nao conseguimos encontrar verduras em lado nenhum, tivémos que convencer a dona de um resturante a dispensar-nos algumas cenouras, batatas e cebolas. Comprámos alguns enlatados e encontrámos gasolina.


Travessia de um rio gelado (pode ver-se o gelo)


Aldeia de Sabaya


Seguimos em direçao a Villa Vitallina para entrarmos no nosso primeiro grande salar, o de Coipasa.


Chegada a Villa Vitallina


Depois de pedalarmos cerca de uns 10 quilómetros no salar, chegámos à ilha que se encontra no seu centro e aí acampámos, a verdadeira travessia seria feita no dia seguinte. Haviam-nos avisado que o salar ainda tinha água, não sabíamos muito bem o que pensar, nem se isso significava que não o poderíamos atravessar. No dia seguinte entrámos novamente no salar e tudo o que víamos era puro branco, não avistávamos água e decidimos a travessia.



Pôr do sol na ilha de Coipasa


Escutava-se apenas o ruído dos nossos pneus a trilhar o sal, o céu era azul celeste e o ar cristalino, no horizonte as montanhas silenciosas. Seguíamos os trilhos dos carros, mas estes foram ficando menos marcados até desaparecerem por completo, víamos já terra, só que era impossível calcular a distância, e ao final do dia, o inesperado aconteceu - água, água por todo o lado e nao sabíamos por quantos quilómetros, que profundidade atingiria. Voltámos para trás para salar seco, a noite caía e decidimos que não queríamos congelar tentando atravessar aquelas águas geladas, acamparíamos no salar e no dia seguinte reavaliaríamos as nossas opções.


Céu azul no salar de Coipasa




Salar de Coipasa, rodeada de água


Montámos a tenda no chão duro salino, o Nuno tinha-se esquecido de trazer uma pedra e a sua função foi dificultada. Sentimos o frio a vir do chão salino, mas as temperaturas nocturnas não foram tão baixas quanto esperávamos.


Primeiro acampamento no salar


O pôr do sol foi um dos mais bonitos que alguma vez presenciei na minha vida. No dia seguinte, decidimos atravessar a água, porque não queríamos andar ás voltas no salar. Pedalar aquela superfície foi como percorrer um espelho, reflectindo tudo em seu redor como um eco nítido das montanhas, do céu, dos ciclistas loucos que por ali andam. Foi uma experiência fantástica quase sobrenatural.



Água ao fim do dia



Água e o efeito de espelho no salar de Coipasa


Chegámos a terra firme sem afundar as bicicletas. Os travões, as mudanças e as correntes estavam um pouco perras de tanto sal e tanta água, mas uma limpeza breve restabeleceu a sua ordem.

Moda outono -inverno para travessia de salares




Na pequena aldeia de Três Cruces comprámos mais uns enlatados, batatas e enchemos as garrafas de água. Perguntámos aos locais (jà devíamos saber melhor) a melhor maneira de chegar a Challacollo, e passando uma mota, o senhor diz: "fácil sigam os rodados daquela mota". Foi o que fizémos. Mais um erro crasso, a mota ia de facto pelo caminho mais curto, mas também o mais arenoso. Tivemos que puxar as pesadas bicicletas pelos caminhos arenosos durante toda a manha, nao devemos ter avançado mais de 5 quilómetros, até que decidimosa fazer um desvio e levar as bicicletas até à borda do salar, onde se encontrava um estrada arenosa mas pedalável.



Chegamos a Challacollo ao fim da tarde, e pergunto a um senhor se ainda estávamos muito longe de Llica. Respondeu que seriam apenas 12 quilómetros e deu-me direcçoes. Claro que mais uma vez essas direcções estavam erradas e nos metemos em mais caminhos arenosos de sobe e desce. Acampámos ao fim do dia com a certeza de que nao podíamos estar na direcção certa. Um campesino que passou em bicicleta com a sua pequena filha, comfirmou, o que suspeitávamos, estavamos na direcção oposta. Tinhamos que voltar para tás no dia seguinte e apanhar a estrada no cruzamento perto de Challacollo em direcção a Llica.

Llica a Uyuni - A travessia do grande salar





Llica é uma das entradas para o Salar de Uyuni na sua parte Norte. Aí encontrámos comida, alojamento e até Internet para comunicarmos ao mundo que estávamos bem e de saúde. Seguimos no dia seguinte para a grande travessia. O salar de Coipasa tem apenas 64 quilómetros, que comparados com os 180 que atravessaríamos no Salar de Uyuni eram insignificantes. O Salar de Uyuni é o mais visitado e consequentemente a sensação de isolamento não e tão grande, a cada 10 minutos passa um Jeep carregado de turistas menos aventureiros.





Existem várias ilhas no salar, são os restos de antigos vulcões. Estas ilhas estão repletas de fósseis de corais, sinais dos tempos em que estavam cobertas por mar, e por cactos. Acampámos na ilha do Pescado, a mais grande e a menos visitada do salar. Ao longe avistávamos o vulcão Tunupa que está semi-activo. Os pores do sol no altiplano, e sobretudo nos salares são algo verdadeiramente único: tons rosa e azulados do céu contrastando com branco e a silhueta das montanhas e vulcões circundantes.



Ao segundo dia de travessia avistámos, no meio da vasta superfície branca um cicloturista - o Herve, da Suíça. Montámos acampamento juntos e ali na noite fria, partilhámos informações, aventuras e ingredientes, preparando a já cliché pasta com molho de tomate. Encontrar o Herve foi sem duvida uma agradável surpresa, tinhamos muito em comum com cicloturistas e as suas aventuras em terras africanas eram verdadeiramente inspiradoras. O seu riso era contagiante.


Acampamento com o Herve


Às sete e meia da noite somos obrigados a retirar-nos para os nossos "aposentos" já que estava um frio terrível. Enfio-me dentro do meu saco de cama e sinto, sem poder entender muito bem o que se passava, algo molhado dentro. Pânico, luzes vermelhas em todo o meu cérebro, saco de cama molhado, noite gelada...vou morrer congelada. Com as minhas mãos busco o causador do derrame: a minha botija de àgua quente, a minha melhor amiga nas noite frias do altiplano, tinha-se rebentado. O meu saco de cama estava completamente molhado. Olhei para o Nuno. -"Acho que vamos ter que partilhar o teu saco de cama". Depois de muita risada lá nos conseguimos enfiar dentro do saco de cama do Nuno, só que como é óbvio, o saco não fechava completamente. E cada vez que um mudava de posição o outro tinha que mudar também. Foi uma noite fria e mal dormida, mas tínhamos pelo menos o calor do corpo um do outro, que evitou que congelássemos. No dia seguinte agarrei no meu saco de cama para o por a secar ao sol, e estava como um pedaço de gelo gigante. As noites no Altiplano são tão frias que tudo dentro e fora da tenda congela desde líquidos a comida, e quase nos congelava a nos também.




No dia seguinte, despedimo-nos do nosso amigo aventureiro e partimos em direcções opostas. O branco e o silêncio do salar pareciam não terminar e só os jeeps, dos quais nos tentávamos manter afastados, interrompiam esse estado de coisas. Sair dos trilhos e escutar as rodas da bicicleta a quebrar os pequenos muros de sal em formas hexagonais formados pela evaporação das águas que constituem as várias camadas de água que estão por debaixo da camada superficial do sal do salar, que ajudou o tempo a passar, naquelas pedaladas que pareciam interminaveis.



Findámos a nossa travessia ao terceiro dia em Colchani, aí passámos a noite num hotel feito com blocos de sal. Prosseguimos até Uyuni a 20 quilómetros do salar que lhe dá nome, no dia seguinte, por mais estradas de areia e lavadouros. Uyuni é uma cidade pequena e desapontante como ponto de chegada desta grande aventura. Aí existem um cemitério de locomotivas ferrugentas, cerca de 80 agências de tours e muito frio.



Hotel de sal


Em Uyuni encontrámo-nos também com outro aventureiro Português, o António, ou o Antuco, como carinhosamente lhe chamamos (Antuco é António em Aymara), um motoqueiro que iniciou a sua viagem em Buenos Aires e que vai percorrendo ao seu ritmo e vontade, as terras do continente Americanocom destino ao Alaska.

Nuno e o António Queirós em Uyuni


Em Uyuni actualizámos sites, e preparámo-nos para a próxima aventura altiplânica rumo à estrada mais alta do mundo que vai até aos 5800 metros, mas essa é outra história a nao perder.


Vejam também o site do Nuno em http://www.ontheroad.eu.com/

... E o site do Antuco (Antonio Queirós) em http://www.viajardemoto.blogspot.com/

3 comentários:

Unknown disse...

Joaninha, estou passada!!! Eu era incapaz.
Fantastico, maravilhoso!
Continua
Força querida!
Kiss Anginha

Elizabete Santos disse...

Oi JOANICA!
Aproveita bem essa América do Sul!
Daqui a uns anos, se aí voltares já não é a mesma...
Quero dizer que vivas o teu sonho tão sonhado a 100%.
Um abraço de AMOR e SAUDADE
tua mãe
elizabete

Unknown disse...

Olá Prima!
Fantástico o enquadramento com os lamas - é este o nome, não é?
Parabéns por tudo.
Pelos pneus da "duas rodinhas".
Pelas sapatilhas ou pelas botas.
Pelos teus músculos.
E... pelo teu coração que é do tamanho do mundo!!!
Beijocas.
João Santos