Equador, Quito - Mitad del mundo, mitad de la vida

Metade do Mundo – Metade da Vida

Existe uma linha imaginária que define o mundo em duas partes (o hemisfério Norte e o hemisfério Sul) – a linha do Equador. É aqui estou, no meio do Mundo, com metade do meu corpo a Norte e a outra metade a Sul. Imagino por momentos que esta linha me divide também: a Norte está a minha vida urbana, o meu trabalho, a minha rotina ocidental, a Sul o inesperado, os sonhos de viagem, a busca de mim e das verdades do mundo. Dou um salto e estou no Sul, todo o meu corpo está a Sul e para aí caminharei nestes próximos meses.

Quito

Acordei de manha cedo e saí pela porta do prédio onde vivem os meus amigos Equatorianos que me acolheram na primeira noite (havia chegado de noite depois de 16 horas de viagem e à noite a cidade confundia-se num emaranhado de luzes que resgatavam a cidade da escuridão) incapaz de desfrutar a cidade devolvida à luz, havia deixado o meu passaporte no táxi na noite anterior e se não o conseguisse recuperar a viagem poderia tomar um rumo indesejado: rumo ao Norte ou o regresso. O caminho do Sul revelou-se mais uma vez, o Taxista guardou o saco que eu tinha esquecido e devolveu-mo.Os primeiros dias, que se transformaram em quase duas semanas, foram passados no Quito, capital do Equador. O Quito Quito é uma cidade caoticamente bonita, enterrada nas encostas vertiginosas do vulcão Pichincha que de vez em quando acorda libertando nuvens de fumo e cinza. Os colonizadores espanhóis colonizaram a cidade que era uma cidade Inca, e substituíram os antigos locais de culto Incas por Igrejas Católicas. Existem igrejas obscenamente decoradas de dourado por toda a cidade, como se a fé só por si não fosse suficiente para convencer os indígenas a abraçar a nova religião, e de facto, observando as pinturas mórbidas presentes em algumas das igrejas que visitei, a nova fé parece ter sido incutida através do medo.

Quito revelou mais do que a sua bonita, preservada e colorida arquitectura colonialista que centra este formigueiro humano estendido numa faixa que parece infinita à vista que o olhar alcança.

A paisagem humana que tive o privilégio de desvendar foi tão ou mais surpreendente. Fui recebida pela família Paredes: Leonardo pai, Leonardo filho, Gloria mãe e Daniela filha, e nos 5 dias que estive em sua casa pude descobrir um Quito, um Equador e uma América Latina um pouco diferentes das imagens que tinha originalmente construído. Leonardo pai, filho de Nela Martinez 1912 – 2004 escritora e revolucionária, foi a primeira mulher deputada do pais, dirigente do partido Comunista do Equador que lutou pelos direitos das mulheres e do povo Equatoriano. Leoardo estudou medicina na Rússia nos anos 60, no auge da Guerra fria, trabalhou como médico, como assistente de ministros, foi reitor de universidade e dá aulas actualmente de Botânica numa das universidades do Quito. Mas títulos e profissões à parte, o Sr. Leonardo Paredes revelou-se um ser muito carinhoso com uma verdadeira paixão pela história do seu país e da América Latina, pela natureza e com o qual foi um verdadeiro prazer descobrir, partilhar e aprender uma América Latina diferente. Gloria trabalha numa instituição que atribui crédito às comunidades desfavorecidas equatorianas, ao exemplo de Muhammad Yunus Prémio Nobel da Paz pioneiro do micro crédito, para que estas possam desenvolver projectos e empreendimentos sustentáveis e que ajudem a erradicar a pobreza. Daniela estuda música e o som da sua flauta inundava os fins de tarde quentes no lar dos Paredes. Finalmente, mas não por ultimo, Leonardo filho, um jovem brilhante, com um conhecimento geral e interesse pelas coisas surpreendente, que foi meu cicerone, com o qual tive interessantes tertúlias, e para o qual antevejo um futuro brilhante, quem sabe tomando as rédeas do seu país que parece ser tão carente de líderes competentes e honestos!

A Capela do Homem

A subida íngreme foi compensada pela chegada a um edifício de arquitectura moderna com vistas soberanas sobre as montanhas Este do Quito chamado a Capela do Homem. A Capela do Homem é um museu e centro cultural projectado por um dos maiores artistas contemporâneos do Equador – Guaysamin. Aos olhos de Guaysamin os rostos do Equador pintam-se de cores fortes, revelando no entanto o sofrimento com que este povo tem endurecido as mãos na pobreza. Pinta-se em tons de branco, cinzento e negro, os corpos esqueléticos da fome e da opressão política. Pinta-se em simbolismo geométrico reminiscente da herança cultural Inca. Neste edifício de simplicidade objectiva onde se mantém uma chama constante para que a alma do artista possa ser iluminada nas suas deambulações por planos terrenos, ficou-me marcado um grande mural onde se vê um Condor, símbolo Andino, a dominar um Touro, a analogia é inevitável: a utopia de que os povos da América Latina possam um dia derrotar o animal velho, consumidor e opressor simbolizado pelo Touro, e que possa o Condor voar um voo livre em direcção a uma existência mais independente, longe das manipulações dos povos que sempre o exploraram e nunca retribuíram, uma existência longe da pobreza, do sofrimento, em equilíbrio com a natureza, uma existência digna e merecida!

Quito, Equador, 12 de Dezembro 2007
Joana Oliveira

Sem comentários: